Há quase dois meses a opinião pública brasileira está chocada. No último dia 29 de março, o corpo do garoto Raudinei Diogo dos Santos, de apenas 4 anos, foi encontrado à margem do esgoto da Muribeca, no município de Jaboatão do Guararapes, em Pernambuco, depois de ter sido asfixiado dentro de casa com uma virola de pneu de caminhão. Há menos de um mês o Brasil inteiro se perguntava quem teria sido o autor (ou quem seriam os autores) de um crime tão covarde. Nas escolas, nos almoços de família, nas igrejas, em bares, nas conversas de bairro e halls de condomínios o povo debatia, opinava, apresentava teses, hipóteses, não se cansava de discutir a autoria e até as razões que levariam alguém a atentar tão brutalmente contra uma criança, pobre. A televisão cumpria o seu papel e trazia, dia a dia, as últimas notícias do caso: a última fala do promotor, os laudos da investigação criminalística, sessenta e duas testemunhas entre vizinhos, parentes, taxista; os contrapontos da defesa e até mesmo uma entrevista, em rede nacional, com os únicos a quem restou acusação: a doméstica Rosa Maria de Alencar, madrasta de Raudinei e o desempregado João Evangelista dos Santos, seu pai. Há mais de um mês, quando a hipótese de ter sido o casal autor do crime foi ventilada, a promotoria conseguiu a prisão preventiva de João e Rosa, que foram no entanto libertados oito dias depois por ordem do desembargador do Tribunal de Justiça do estado, mediante justificativa de que não havia até então provas suficientes para incriminá-los.
Depois de inúmeras visitas ao local, sobretudo devido à grave pressão que a imprensa brasileira exerceu pelo esclarecimento do crime e julgamento de seus culpados, os peritos do instituto de criminalística concluíram que não pode ter havido mais ninguém dentro daquele barraco, além do casal e seus cinco outros filhos pequenos que dormiam no chão, na hora que antecedeu o assassinato de Raudinei. Além disso, foram encontrados pingos de sangue no piso da carroça com a qual a família recolhe diariamente latas e garrafas plásticas pela cidade, e resquícios de borracha de pneu na blusa do pai.
Para o povo, depois disso, não restava mais dúvida. Mas a justiça parecia ainda querer ir além de provas materiais e, no último dia 27 de abril, fez mais uma reconstituição do crime, minuciosa, desta vez contando com um grande cordão de segurança em torno do barraco onde o menino foi assassinado e com o fechamento do espaço aéreo da Muribeca por 14 horas, em um raio de 3 km.
Mas o povo não quer mais saber quem foi — já sabe. E sua voz é a de Deus. O povo agora assiste aos noticiários porque quer saber é se Rosa Maria de Alencar e João Evangelista dos Santos vão ser condenados, ou se precisará ele mesmo, Deus, fazer a Justiça com as próprias pedras, à porta da família Santos. Por ali, populares se aglomeram dia e noite na tentativa de ver uma pequena fração do rosto da brutalidade, daqueles que foram capazes de matar tão selvagemmente uma criança, negra e inocente. O povo quer saber agora se isso será mais um daqueles episódios de pizza em que quase sempre terminam os inquéritos policiais no Brasil. Finalmente o povo cansou de viver no país da injustiça e da impunidade, e quer que Rosa e João parem de dizer todo o tempo que são inocentes; parem de chorar diante das câmeras, dissimuladamente, e confessem, com detalhes... como foi que... estrangularam a criança com uma virola de pneu... impediram que gritasse... arrastaram seu corpo pequenino desfalecido pelos fundos do barraco... e o laçaram no canal de esgoto.
Enquanto não estrear a seleção canarinha nas Olimpíadas de Pequim, a opinião pública brasileira, seus veículos de comunicação, o povo não vai sossegar, e vai cobrar das autoridades competentes, pelo assassinato covarde de Raudinei Diogo dos Santos, justiça.
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